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CARREIRA JURÍDICA PARA OFICIAIS DA PMMG: ABANDONO DOS IDEAIS DA GREVE DE 97

Na história recente da Polícia Militar de Minas Gerais, não se tem conhecimento de uma mobilização tão explítica do Comandante-Geral e dos demais níveis de Comando, como a empreitada em relação às votações do PLC 59 e 61. Para viabilizar a aprovação destes projetos de lei, que culminaram, respectivamente, na implantação da carreira jurídica para os Oficiais do QOPM, bem como da exigência de ensino superior para ingresso na carreira de praças, com um período de transição de 05 anos, prorrogáveis por mais 05, para estes últimos.

Tanto que para viabilizar o comparecimento da tropa durante as votações na Assembléia Legislativa, foram utilizados procedimentos ilegais, e antiéticos, como por exemplo, o cancelamento do estágio de todos os alunos do Curso de Formação de Soldados e a escala de militares lotados nas Unidades da Corporação, tratando o comparecimento nas votações, como ato de serviço.

Mas, como a sabedoria popular, ensina que jabuti não sobe em árvores, este envolvimento Oficializado do Comando, nunca antes visto em Minas Gerais , deveria ser analisado, com a devida prudência pelas lideranças e pelos policiais de base, antes de alinharem-se, de forma açodada na aprovação a “toque de caixa” destes projetos.

Para justificar a pressa na aprovação, o Comando suscitou o discurso fácil e oportunista, de que a Polícia Civil já havia conseguido aprovar carreira jurídica para Delegados e ensino superior para Investigadores. Então, a Polícia Militar não poderia ficar para traz, uma vez que os Delegados poderiam obter equiparação salarial com os Procuradores do Estado e assim, um Delegado em início de carreira, ganharia mais que um Comandante de Batalhão.

Este discurso permite a seguinte inferência: A implantação de exigência de carreira jurídica, para ingresso no Quadro de Oficiais, foi vislum br ada como estratégia necessária, para construir fundamentos legais, de sorte a impedir que os Delegados da Polícia Civil recebam aumentos maiores que os Oficiais, e, ao mesmo tempo, garantir, que numa eventual unificação das polícias estaduais, a formação jurídica, seja utilizada como argumento prejudicial aos interesses dos Oficiais.

Resolvida a questão dos Oficiais, surgiu um problema, qual seja, a legislação passou a exigir o nível superior para o ingresso em qualquer carreira da Polícia Civil. Nessas condições, verifica-se que os mesmos argumentos utilizados para implantar a carreira jurídica para os Oficiais, ou seja, manter igualdade de salários com Delegados, também justificariam a implantação de exigência de 3º grau para Soldados, uma vez que os seus vencimentos, atualmente também são equiparados aos investigadores.

Ocorre, que, veladamente, o Comando da Polícia Militar entende que a exigência de nível superior para o ingresso como Soldado não atende aos interesses da cúpula, porquanto pressume-se que haveria dificuldade na socialização do jovem, para a obediência militar, se este, chegar à Corporação já “contaminado” pela visão crítica obtida na formação universitária.

Esta inferência decorre das dificuldades, já enfrentadas em relação aos civis que ingressaram na Corporação, com o nível superior, uma vez que por possuírem esta visão crítica, fica mais difícil “comandá-los”.

Nesta toada, insta acentuar que a dificuldade decorre do ambiente de hipocrisia que existe na caserna, onde o que é falado, não é exercitado na prática. Para exemplificar, basta verificar que um dos princípios da Ética Militar, insculpidos no Código de Ética da profissão é o dever de obediência aos princípios da Administração Pública, mas na realidade, isto, na Corporação, para os Comandos, é uma mera formalidade, uma vez que, a par do mesmo diploma legal, tipificar como transgressão disciplinar de natureza grave, a utilização de recursos logísticos e humanos para atender interesses pessoais, os Comandos dos diversos níveis ignoram a lei, e usam os veículos da Corporação, para o transporte para o trabalho, e, pior, prendem em flagrante, por crime militar de abandono de posto, os policiais de base, quando estes, eventualmente, se afastam-se de seu posto de trabalho com a viatura para atender algum interesse particular.

Então, surgiu a estratégia de propalar para a tropa, que a Polícia Civil não tem dificuldade para selecionar com terceiro grau, uma vez que disponibiliza menos vagas. Argumentam até, que seria impossível para a PM, recrutar 5.000 pessoas com terceiro grau, no próximo ano.

Sob estes fundamentos, surgiu a estratégia de criar a chamada transição, de cinco anos prorrogáveis por mais cinco, para efetivar a exigência de terceiro grau para Soldado e, neste período, desenvolver um curso de tecnólogo na própria PM, equiparado ao 3º grau, de sorte a manter a escolaridade entre investigadores e Soldado.

Ocorre que esta argumentação não é sustentável, uma vez que o crescimento da PM, nos moldes atuais, está arrasando o Hospital Militar e o sistema próprio de ensino, que não foram planejados para esta demanda. Outro reflexo deste crescimento, se verifica, na dificuldade para melhorar os vencimentos, em face do aumento do efetivo.

Ademais, o Curso de Formação de Oficiais, já é equiparado a Curso Superior, e mesmo assim os Oficiais preferiram exigir o Curso de Direito para ingresso no Oficialato, para não a br ir qualquer questionamento, no que se refere à comparação com os Delegados da Polícia Civil.
Na verdade, houvesse real interesse em implantar a exigência de nível superior e buscar uma valorização salarial para a base, a receita, seria a seguinte:

I – Suspender novos concursos (isto foi feito por Itamar Franco, em seu Governo , quando da implantação do piso de cinco salários mínimos para o policial de base);

II – Promover uma reforma da estrutura burocrática da Polícia Militar, e no emprego dos policiais, através da extinção de órgãos e contratação de funcionários civis para o exercício de funções administrativas que não demandam formação policial.

Mas, isto não foi sequer cogitado, uma vez que a estratégia do Comando foi articulada para atender os seguintes objetivos da classe dos Oficiais:
I – Garantir, em longo prazo, a igualdade de tratamento com os Delegados da Policia Civil, no caso de Unificação das Policias Estaduais, uma vez que, ambas as carreiras exigem, a partir de agora, o Bacharelado em Direito para ingresso;

II – Sepultamento da reivindicação da implantação da carreira única para ingresso na PMMG, uma vez que para os Oficiais a exigência é de Bacharel em direito, o que não ocorre para os policiais de base;
III – Elevação do Status da carreira dos Oficiais, que exigirá como requisito para ingresso, idêntica formação de Juízes, Promotores de Justiça e Delegados de Polícia;

IV- Ao final do período de transição de 10 anos, o Curso de Tecnólogo realizado internamente na PM, estará consolidado, bastando à alteração da lei, para suprimir a exigência de 3º grau para soldado, pois, na verdade, isto nunca foi objetivo real do Comando, sendo incluído no projeto, apenas para conseguir o apoio dos praças ao projeto de implantação da carreira jurídica para os Oficiais.

Por fim, em conclusão, o nosso entendimento, é que, o trabalho policial, ainda é objeto de discriminação na própria Polícia Militar, uma vez que a Cúpula não aceita e dificulta a unificação das carreiras, condição indispensável para a criação de uma profissão no âmbito da Polícia Ostensiva.

O pensamento é que as atividades típicas de polícia ostensiva são menos relevantes e possuem status inferior as carreiras jurídicas, e, por isto, menos valorizadas.

Mas, como não é possível carreira jurídica para todos, pelo menos os Oficiais devem receber estes Status, que na essência não integra o trabalho Policial Militar, pois, a admitir-se este entendimento, estaria comprometida a atuação dos Oficiais que exerceram a função sem a titulação exigida antes da com a aprovação do projeto.

Por fim, o que mais assusta, não é o empenho dos Comandos e das entidades representativas dos Oficiais em buscar os seus interesses, e sim, o apoio e o esforço de lideranças dos policiais da base, na tentativa de fazer crer que não houve tratamento diferenciado para Oficiais e praças, e ainda, que os praças não tiveram qualquer prejuízo.

Isto é ignorar o poder de crítica das pessoas, dando margem inclusive, para uma reflexão, se estas lideranças não estariam receosas, do mesmo modo que os Comandos, em ter maiores dificuldades para exercer a representação de militares com curso superior. Pessoalmente, eu lamento, que todo o esforço, que fizemos juntamente com um grupo de Oficiais, após a greve de 97, para mudar a estrutura da Polícia, através da implantação da carreira única, pelo fim do tratamento diferenciado entre as carreiras, bem como os ideais daquele movimento social, estejam sendo abondonados. Lamentável.

Domingos Savio de Mendonca, Ten – Cel PM

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